sábado, 19 de dezembro de 2009

O MP e sua atuação*

Quem assiste nos dias de hoje a atuação do Ministério Público, seja ele federal ou estadual, vai perceber, se, ao mesmo tempo, voltar seus olhos para o passado, que a Instituição, desde quando surgiu na antiguidade mais remota, no antigo Egito, mais tarde na Grécia ou na Roma imperial, até chegarmos na França do iluminismo, quando aparece a designação “parquet” (no mesmo estrado), igualando-o nas lides à magistratura togada, e desaguando, afinal, nas ordenações Afonsinas e Manoelinas, quando esta última, ao estabelecer funções e atividades até então da competência do procurador dos feitos do rei, entregava-as ao promotor de justiça da Casa de Suplicação e para o promotor de justiça da Casa do Civel (cf. História do Ministério Público do Estado da Bahia, Salvador, 2.009).

Todo esse processo evolutivo estava marcado por evidente vocação para o atendimento e proteção do que a Constituição de 1.988 especifica, ao incumbir ao Ministério Público a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (artigo 127).

Árdua foi a luta para chegar-se até esse ponto, passando-se de uma estrutura que abrigava interesses políticos, para um regime de atuação autônoma, com o estabelecimento de uma carreira a iniciar-se mediante concurso público.

Veiu, nesse longo caminho que ainda não chegou a seu término, a estabilidade e a promoção por mérito e antiguidade. A vitaliciedade e a irredutibilidade de vencimentos, a equiparação destes aos da Magistratura. Ao alcançar esses patamares, que se contam na formação do arcabouço de sua autonomia, foi imposto tempo integral para o exercício das promotorias e procuradorias de Justiça.

Da nomeação do chefe da Instituição, livremente, pelos governadores de Estado e presidente da República, passou-se, numa primeira conquista, à nomeação dentre os membros da segunda instância do Ministério Público. Por fim a lista tríplice, da qual se exclui a Procuradoria Geral da República, muito embora, costumeiramente, seja apresentada ao presidente da República lista tríplice votada pela classe, o qual tem escolhido para a função o mais votado.

É certo que estipulando-se mandato certo aos procuradores gerais, está-se concedendo à Instituição uma quase e plena autonomia, porque a destituição do Procurador Geral, em qualquer dos casos, só se pode dar mediante autorização do Legislativo (com relação ao Procurador Geral da República, com autorização da maioria absoluta do Senado Federal, segundo o artigo 128, parágrafo 2º, da Constituição Federal;e a propósito dos procuradores gerais dos Estados, por deliberação da maioria absoluta das Assembléias Legislativas, na forma do mesmo artigo, II, parágrafo 4º, da Constituição).

É preciso, penso que há consenso a respeito, caminhar mais, para entregar à própria Instituição a designação de seu chefe, outorgando-lhe mandato certo.

Se nos Estados a escolha pelos governadores é restrita a uma lista tríplice dentre os integrantes da carreira, no âmbito federal, como já acentuamos, o presidente da República pode nomear livremente o chefe do “parquet” federal, dentre qualquer dos integrantes da carreira.

Como se vê, dentro de uma estrutura que, a pouco e pouco, se democratiza, o Ministério Público brasileiro vai construindo um edifício, sem dúvida nenhuma, cada vez mais sólido na defesa dos direitos da cidadania e, em última análise, do próprio Estado de Direito democrático. Hoje o promotor público constitui-se em real garantia para o livre exercício da Democracia.

E, exatamente, por esse motivo é que vem enfrentado, por paradoxal que possa parecer, uma luta que é de todos os dias contra aqueles que se julgam intocáveis, ou pela sua fortuna, ou porque exercem cargos relevantes na Administração Pública, erigindo-se em árbitros de si mesmos, acima do bem e do mal. É uma luta contra aqueles que querem a volta à subordinação do Ministério Público aos interesses políticos, para acomodarem os deslises que praticam. A autonomia alcançada preocupa os poderosos.

Posso dizer com conhecimento de causa, porque vivi as lutas do passado, das dificuldades que devem ser enfrentadas, para que a ordem jurídica não seja subvertida em benefício de interesses daqueles que se intitulam donos do poder e de seus apaniguados.

Para resgatar passos da história do Ministério Público na busca de sua autonomia, quero
nesta oportunidade lembrar a importância que teve, nessa caminhada, a realização do 1º Congresso Interamericano do Ministério Público, em São Paulo, em comemoração ao quarto centenário da fundação da Cidade, no ano de 1.954. Tendo a frente o procurador geral José Augusto César Salgado, com apoio de eminentes membros do Ministério Público do Estado, cujos nomes peço vênia para enunciar, os drs. Odilon da Costa Manso, Antônio Queiroz Filho, João Baptista de Arruda Sampaio, Mario de Moura e Albuquerque, juntamente com ilustres representantes do Ministério Público dos Estados e até mesmo de juristas de relevo internacional presentes à Conferência, formularam as primeiras linhas para que se alcançasse a autonomia imprescindível ao cumprimento das funções do Ministério Público.

De salientar-se, mais uma vez, a caracterizar o que então acontecia, que não foram poucas as dificuldades encontradas. Peço permissão para referir-me a um exemplo emblemático, quando o Ministério Público de São Paulo lançou-se na luta contra os primeiros movimentos dos esquadrões da morte que começavam a impor suas práticas, em certa medida aceitas pela sociedade. De notar-se, na hipótese, as omissões de promotores e juizes, ordenando o arquivamento de casos de homicídios cometidos pela polícia contra supostos delinqüentes e marginais, sob o pretexto de que atuava no estrito cumprimento do dever legal ou no exercício regular de um direito. Lamentavelmente, esse procedimento surge novamente, responsável pela impunidade que alimenta a letalidade das ações policiais. Lembremo-nos que estávamos em plena ditadura militar - mas alguns resultados importantes foram obtidos, apontando pela dissolução do grupo de policiais que, não obstante sua comprovada atuação criminosa e talvez por causa disso, foram, incorporados ao sistema de segurança do Estado ditatorial.

Penso que a maior conquista obtida, pois as condenações não chegaram a atingir os maiores responsáveis pela existência do grupo criminoso, foi, sem dúvida, o reconhecimento, inclusive pelo Supremo Tribunal Federal, do poder investigativo do Ministério Público.

Várias foram as ações propostas objetivando nulidade dos processos, por alegados vícios de origem, ações essas que não prosperaram na mais alta Corte de Justiça do País.

Refiro-me ao que então aconteceu porque, nos nossos dias, exatamente por que o Ministério Público não faz distinção de pessoas para chamá-las à responsabilidade penal ou civil, busca-se invalidar essa linha de atuação que, segundo penso, constitui-se em atividade indispensável para o fundamento de ações penais, em especial contra os poderosos. Haja vista a edição de medida provisória que foi conhecida como a “lei da mordaça”, a qual, pela reação ocorrida logo em seguida à sua publicação, não chegou a prosperar.

Chegados ao momento que ora atravessamos, quero aplaudir as ações propostas pelo Ministério Público federal no sentido de obter o devido processo relativamente a tantos quantos, em nome da segurança do Estado totalitário, prenderam ilegalmente, torturaram e mataram; na busca da identificação dos mortos da guerrilha do Araguaia; das causas que os levaram à sepultura e, por igual, a identificação dos responsáveis por essas mortes.

Vai, nessa luta, a conquista de uma interpretação inequivocanente jurídica do que se deva entender seja o real alcance da lei de anistia, considerada pelos homens da ditadura militar e por aqueles que a ela se juntaram e ainda hoje se juntam, como uma lei a beneficiar vítimas e seus algozes. Ora, para que se afaste de vez esse absurdo e se volte ao bom senso, considerando os crimes da ditadura, crimes contra a humanidade e como tais imprescritíveis, deverá ter a palavra final a nossa Corte Suprema, cuja decisão esperamos seja pautada por uma interpretação que não se alinhe a interesses ainda alimentados por uma impunidade que objetiva demonstrar a legitimidade de ações profligadas pelo conjunto das Nações em tratados e protocolos que impõem o devido processo para a apuração e julgamento dos chamados crimes contra a humanidade.

Pois bem, para salientar, uma dentre tantas outras missões relevantes que vem sendo cumpridas pelo Ministério Público na área dos Direitos Humanos, onde se inclui a vasta gama dos direitos fundamentais, convem aludir, com maior ênfase, ao processso investigativo que, por motivos óbvios, se quer retirar dentre as atribuições do “parquet”.

Vejamos.

Como tivemos a oportunidade de assinalar, a Constituição Federal de 1.988 fixou as competências do Ministério Público, conferindo novas atribuições aos promotores de justiça. Dentre outras funções específicas no exercício de suas tarefas, o Ministério Público passou a ter a incumbência de exercer o controle externo das polícias (artigo 129, inciso VII).

A chamada constituição cidadã, na expressão do saudoso Ulisses Guimarães, foi um marco para o Ministério Público. Ela cristalizou um processo de transformação que vinha ocorrendo na instituição, antes mesmo de iniciada a transição democrática, que teve início em 1.982 com as eleições diretas para governadores de Estado.

Passou tambem a efetivamente ser mais atuante e comprometida com a promoção e defesa dos direitos fundamentais da pessoa humana.


Com autoridade, não só para denunciar as ações ilegais cometidas pelas polícias, o Ministério Público, por gozar de autonomia e independência e, ainda, contar com uma estrutura institucional fortalecida, que lhe permite, com eficiência, desenvolver essa tarefa, ainda dispõe de prerrogativas para avaliar e monitorar as atividades das polícias, inclusive acompanhando as investigações e solicitando novas diligências ou a oitiva de novas testemunhas quando concluir incompletas as investigações realizadas pela polícia civil. Nesse sentido é-lhe conferido poder para exercer o controle externo das polícias sem que suas determinações possam vir a ser questionadas ou subordinadas a outro órgão ou instituição.Independentemente, se os órgãos de controle interno, a saber, as corregedorias, são eficientes ou não, a atuação do Ministério Público não interfere nos processos administrativos internos dos órgãos policiais, na área disciplinar.

Reconhecer, pois, ao Ministério Público o poder de investigar e, com os elementos colhidos, ingressar em juízo para requerer a abertura da ação penal é atribuição que vem sendo questionada diante do dispositivo constitucional que concede à polícia civil as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais (artigo 144, parágrafo 4º, da Constituição Federal).

Nem por isso vale, diante das conquistas que foram coroadas pela posição que hoje lhe foi entregue, uma sujeição a interesses que acoroçoam a violência.

O jornal “O Estado de S. Paulo” do dia 7 do corrente, trouxe reportagem, da responsabilidade do jornalista Bruno Paes Manso, a qual desvenda, com dados indiscutíveis e oportunos comentários, toda a extensão da violência policial em São Paulo, mostrando que o total de 499 casos de resistência seguida de morte contabilizados até outubro último envolvendo a polícia já é 34% maior que o dos doze meses do ano passado, quando foram, porque não dizer eliminadas 421 pessoas.

Tendo em vista o rítimo dos homicídios, como vêm sendo praticados, chegaremos no final deste ano, próximos de um número recorde: cerca de 570 mortes, numa maré montante de violência, que encontra na impunidade o estímulo por excelência.

Realmente, na medida em que os milicianos têm ciência de que capitão da PM, deputado estadual há mais de vinte anos, apontado como mentor da violência para conter a criminalidade, quando afirmava “... Em São Paulo vivemos uma guerra. O bandido daqui mata e por isso o confronto é necessário”, recebeu do atual Secretário da Segurança Pública a medalha Brigadeiro Tobias, a mais alta condecoração da PM paulista, depois de lhe ser outorgada a medalha do Mérito Comunitário, contemplada para incentivar pessoas e políticas em defesa do policiamento comunitário e contrários ao confronto, o que se pode esperar da atitude dos PMs nas ruas das grandes cidades do Estado...

Por outro lado, convem lembrar que é inaceitável a alegação de promotores e juizes de que, diante do quadro mostrado nos inquéritos policiais enviados à Justiça, não existe outra solução que não seja o arquivamento.

Ora, o Ministério Público não pode permanecer nessa atitude, pois se uma de suas atribuições é o controle externo da polícia, precisaria sair a campo para verificar se não ocorreram alterações no chamado teatro do crime, se as vítimas realmente morreram ao serem conduzidas para os hospitais e, por fim, se houve a apregoada reação à violência dos bandidos ou marginais.

Quando se está na mira da polícia, não importa o motivo, e se é levado a uma delegacia e logo em seguida é encontrado morto, numa de suas celas, enforcado com o cordão de seus tênis, como recentemente aconteceu em São Paulo, não se sabe de mais nada e provavelmente essa morte sequer foi objeto de uma séria investigação: morte de autoria ignorada ou suicídio, arquive-se na forma de parecer do Ministério Público. Esse Herzog dos dias de hoje não teve quem olhasse por ele... talvez fosse um perigoso traficante. Melhor morto.

A esperança de que a violência letal da polícia seja contida, está a meu ver no poder investigativo do Ministério Público e da imparcialidade dos juizes, porque de nossos governantes pouco há a esperar, em verdade, reféns das poderosas polícias que eles mesmo criaram e mantêm. Para eles é preferivel elogiar e condecorar os agentes de uma segurança que não é do povo, mas apenas dos eventuais donos do poder.





Não faz muito tempo, deputado federal do Maranhão, acusado em procedimento penal de fraude contra o Sistema Único de Saúde a partir de investigações realizadas pelo Ministério Público, pediu ao Supremo Tribunal Federal a anulação do processo com a alegação de que investigação criminal é defesa ao “parquet”, desde que não prevista na Carta política.

Diga-se de passagem que o argumento então usado pelo presidente daquela Corte, Ministro Nelson Jobim, em entrevista à imprensa (conf. O Estado de S. Paulo, ed. de 07.07.04), de que a matéria, devidamente discutida na Assembléia Constituinte não fora aprovada, não constitui, data vênia, argumento jurídico para a pretendida proibição.

A interpretação histórica tendo em vista a intenção legislativa cede o passo à interpretação sistemática do texto.

Na verdade a Constituição não precisaria autorizar expressamente o que se pretende proibido, ante a meridiana conclusão de que aquilo que não é proibido é, naturalmente, permitido.

Na hipótese, com base na lição de eminente constitucionalista, ao estudar o princípio da máxima efetividade da norma, segundo o qual uma norma constitucional deve ser entendida segundo o sentido que mais eficácia lhe dê, vamos encontrar no aludido artigo 127, da Carta Magna, que ao Ministério Público, instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (Gomes Canotilho, Direito Constitucional, Almadina, 1.991, p.233).

Por aí é possível entrever a relevância das atribuições do Ministério Público, tais quais lhe são assinaladas, tendo, ademais, em vista que é, dentre outros, fundamento do Estado, a cidadania e a dignidade da pessoa humana (artigo 1º, II e III). Tudo, em consonância com os objetivos fundamentais da República, como a construção de uma sociedade livre, justa e solidária; a erradicação da pobreza e da marginalização; a promoção do bem de todos, sem quaisquer preconceitos (artigo 3º, I,III e IX, da Constituição Federal)

Ora, se ao Ministério Público incumbe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, essas atribuições objetivam a concretização daquilo que é o fundamento do Estado, tendo em vista as metas assinaladas, indispensáveis para o cumprimento de suas obrigações constitucionais. Quando a Constituição confere poder geral ou prescreve dever, franqueia, também, implicitamente, todos os poderes particulares, necessários para o exercício de um, ou cumprimento do outro (Carlos Maximiliano, Direito Constitucional, p.138).

Isto aparece muito claro se nos detivermos na leitura do artigo 129, da Constituição Federal, que estabelece quais são as funções fundamentais do Ministério Público.

O dispositivo em questão não fala explicitamente na função de investigar. Mas impõe ao Ministério Público o zelo pelo efetivo respeito dos poderes públicos e dos serviços de relevância pública promovendo as medidas necessárias à sua garantia; entregando-lhe, ao depois, a requisição de diligências investigatórias;bem como o dever de exercer outras funções, desde que compatíveis com sua finalidade. Portanto, como concluir não possa investigar de motu próprio ?

Acrescente-se que não se pode ignorar, na interpretação da lei, a realidade da sociedade brasileira, onde a polícia não conseguiu - como o atestam inúmeros procedimentos abertos pelo Ministério Público - sair dos desvãos da corrupção e da prática da violência.

A esse propósito, os seus órgãos corregedores não tem correspondido às imposições de transparência e da probidade administrativa impostas pela Constituição, relegando a um segundo plano as recomendações das ouvidorias de polícia, deixando muitas vezes de proceder, quando averiguações realizadas naquele ogão esclarecem a autoria de ilícitos funcionais. Aí o corporativismo fala mais alto, permitindo a mais deslavada impunidade.

Realmente, se a interpretação sistemática dos textos constitucionais leva à convicção da preeminência da ação do Ministério Público ante a atividade policial, a qual não tem as suas incumbências e atribuições não se pode negar ao autor da ação penal a possibilidade de reunir as provas para inicia-la.

Ao elemento sistemático, junte-se o fato de que em um número tão expressivo de casos, a investigação levada a efeito pelo Ministério Público se sobrepõe à intervenção policial, seja para completa-la, seja para aperfeiçoá-la ou até mesmo para substituí-la. Os grandes e emblemáticos procedimentos penais foram sempre sustentados pelo Ministério Público que tem, a propósito, uma história de coerência e de independência relativamente aos Poderes do Estado.

Recorde-se.ainda uma vez, que as investigações sobre as atividades do “esquadrão da morte” foram efetuadas pelo Ministério Público e desvendaram violência, corrupção, favorecimento ao tráfico de drogas e outras violações de nosso ordenamento jurídico-penal por agentes policiais. Essas investigações foram questionadas perante o Supremo Tribunal Federal que, entretanto, as considerou legais e necessárias.Como controlar, pois, a atividade policial senão entrando na área de sua competência, que como se viu não é exclusiva ? Essas investigações não poderiam prosperar dentro da própria polícia, e somente a ação do Ministério Público as desvendou.

A proibição pretendida busca embasamento em atitudes isoladas de membros do Ministério Público que não tem levado em conta a sua unidade funcional, um de seus fundamentos básicos. O Ministério Público é uno e indivisível. Distorções na sua atuação que podem facilmente ser corrigíveis decorrem da concepção, já ultrapassada, que entregava ao chefe da Instituição (então demisssivel ad nutum pelos governadores de Estado ou pelo presidente da República), o monopólio no exercício das atribuições do “parquet”. A figura do chamado “promotor natural” surgiu exatamente para impedir a filiação política da Instituição, quanto para atender a reclamos da chefia do Poder Executivo, destituíam-se promotores que não se afinavam a uma determinada linha política.

Nos dias correntes, nomeado dentro da classe, com mandato certo que somente poderá ser revogado segundo as dificuldades do procedimento instituído, os procuradores gerais de justiça ou o procurador geral da República não tem a temer pela sua destituição se sua atuação não se conforma à vontade política dominante. Ele passa a agir segundo os princípios que informam a pureza procedimental do Ministério Público, na forma do quanto dispõe a Constituição, como já tivemos a oportunidade de assinalar.

Assim, a avocação de procedimentos se torna - diante da unicidade da Instituição - uma atitude normal, como qualificativo da coerência na ação do Ministério Público.

Mas isso, embora tenha contornos constitucionais, é matéria de lei ordinária, de organização do Ministério Público, que deve tê-la com vistas ao princípio fundamental na atuação do “parquet”.

Como se vê, não existem argumentos válidos que possam permitir a redução das atribuições do Ministério Público. Reduzi-las será premiar os chamados crimes do “colarinho branco” e o próprio crime organizado.

Em remate, na decisão a ser tomada na aludida impetração ou em outra qualquer acaso argüida, o Supremo Tribunal Federal deverá fazer profunda reflexão sobre a questão constitucional e infra-constitucional, sem esquecer o seu papel de árbitro maior não só da Lei Magna, mas da própria realidade brasileira, pois, interpretar é descobrir tudo aquilo que a norma contem, para que ela seja instrumento eficaz da paz social.

Acrescente-se que neste caso, em especial, não importa que não se tenha editado a lei complementar prevista no inciso VII, do artigo 129, da Constituição Federal, pois, como ensina Clèmerson Merlin Clève, “no Brasil, tem-se como certo que todas as disposições, ainda que adjetivas, da Constituição são essenciais, imperativas e, então, mandatórias, como já teve a oportunidade de asseverar Francisco Campos” (A fiscalização abstrata de inconstitucionalidade no Direito Brasileiro, R.T., p.32).

Muito pelo contrário, como na sociedade atual, onde a alta criminalidade viceja e se desenvolve, impedir-se ou dificultar-se a mais ampla atuação do Ministério Público será acoroçoar-se a ilicitude por parte daqueles que se situam em patamares superiores da sociedade e que por isso mesmo se sentem impunes. A lei penal, segundo pensam, não é para eles, mas para aqueles que o sistema político-econômico marginalizou ou excluiu da vida social.

Como se vê, a combinação dos critérios interpretativos de início mencionados, só pode levar a uma conclusão: não se pode retirar meios, quaisquer que sejam, que impeçam ou dificultem a propositura da ação penal pelo Ministério Público. Se a tanto chegarmos, estaremos decretando a própria falência do atual ordenamento jurídico que o constituinte de 86/88 buscou normatizar, tendo em vista a contribuição do Ministério Público na construção do Estado Democrático de Direito.



Quero acentuar, por fim: o Ministério Público brasileiro não pode tergiversar, como às vezes tem acontecido, pois vem cumprindo ao longo desses quatrocentos anos de sua existência, o seu papel de defensor da Justiça e da Paz, podendo considerar-se exemplo a ser copiado, desde que foi muito alem na suas ações, na flexa da evolução a qual estamos todos envolvidos. Muito obrigado.



*Paltesra proferida por Hélio Dutra no encerramento da Semana do Ministério Público 2009, nesta sexta-feira,em Salvador.

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