Fui redator de “O Estado de São Paulo” durante a ditadura militar e testemunhei a presença dos censores na redação do jornal. Os espaços em branco impostos pela censura eram, então, preenchidos por poesias e trechos de poemas de autores portugueses e brasileiros. Este artifício tornava os leitores cientes de que os chamados órgãos de segurança do Estado estavam impondo ao jornal uma atitude inteiramente contrária à linha adotada pela Família Mesquita de absoluta clareza nas informações ao público. Quando deparava-se com um conto dos Lusíadas, ficava-se sabendo que uma notícia importante para o esclarecimento da sociedade civil estava sendo ocultada em detrimento do estado democrático e dava espaço à sua, cada vez maior, militarização e conseqüente opressão.
Com alguma surpresa tivemos conhecimento da decisão de um juiz do tribunal Federal da capital do país, a qual proibia ao “O Estado” a publicação de qualquer notícia relativa à atuação, sob investigação policial, de um filho do senador José Sarney, com implicações nos procedimentos então abertos no Senado Federal a propósito de denuncias de desvios éticos por parte desse parlamentar.
Não obstante, recurso apresentado, até hoje não se tem uma solução, permanecendo “O Estado” sob censura judicial. E quanto mais se delonga no tempo para chegar-se a uma conclusão que reponha o status constitucional à lamentável decisão judicial que, diferentemente do acontecido durante os chamados “anos de chumbo”, quando os espaços em branco poderiam ser cobertos por outras matérias, mais restrições se impõem à imprensa que deveria ser livre. Agora, como se trata de uma decisão judicial não há como socorrer-se de um subterfúgio como aconteceu no passado, para bem informar o público do jornal, do que, então, acontecia.
A demora na decisão final compõe um óbice ao cumprimento de claras normas constitucionais, quando o artigo 5°, IX, da Constituição Federal, declara que “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e da comunicação (grifo nosso), independentemente de censura ou licença”. Nesse sentido, o artigo 220, da mesma lei, dispõe que “a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição...”. Quer dizer, não decidir, no caso, equivale à permanência da censura.
Ora, um governo ao qual incumbe a defesa do regime democrático não pode silenciar diante de tão grande descalabro – um juiz que desrespeita, por interesses menores, a Constituição Federal.
Há mais tempo, o Ministério das Comunicações poderia deixar de lado as loas à administração Lula, também empenhado no “caso Sarney”, e manifestar-se pela repulsa à censura, qualquer que seja e de onde quer que ela venha.
Afinal, censura e estado democrático não podem conviver na mesma casa.
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