segunda-feira, 1 de março de 2010

OEA e OEA do B

Na reunião de 32 chefes de Estado e Governo da América Latina e Caribe realizada em Cancum na penúltima semana de fevereiro, entendeu-se de criar uma nova organização de Estados da América Latina e Caribe, com a exclusão dos Estados Unidos da América e do Canadá, num repente de nacionalismo que poderíamos chamar de “bolivariano”, festejado por Hugo Chaves como a concretização do sonho de Simon Bolívar, pontuando que essa decisão prova que o mundo mudou e “não será dominado pelo império norte-americano”.

Na mesma ignorância do que seja a OEA (Organização dos Estados Americanos), o presidente da Bolívia, Evo Morales, acrescenta que a nova organização irá permitir que a América Latina se liberte dos Estados Unidos. A OEA, ponderou, é uma entidade que escuta mais os impérios do que os povos.

O presidente do Brasil negou o objetivo de uma ruptura com os Estados Unidos da América, pois o desejo do seu governo é o de manter a boa relação existente, sem perder espaços para discussões entre os paises que abraçaram a nova organização. Como é de seu costume, “uma no cravo e outra na ferradura”, no dito popular. Mas a verdade é que o “bolivarionismo” de Hugo Chaves, vencedor na criação do órgão latino-caribenho, empenha-se em boicotar as relações de seu e de outros paises, seus satélites, com os paises do norte do Hemisfério.

Ora, se inexiste a decisão de sair da esfera de influência dos Estados Unidos e Canadá, por que uma nova organização, se é verdade que desde os meados do século passado a OEA vem prestando inestimáveis serviços à causa dos direitos humanos e da democracia nos países que editaram e subscreveram a histórica Declaração dos Estados Americanos e do Caribe, em maio de 1.948?

Tanto os Estados Unidos como o Canadá subscreveram a aludida declaração e, a partir daí, vêm dando sua contribuição à causa dos direitos humanos, que é o próprio fundamento da democracia.

Poder-se-ia argumentar que os Estados Unidos e o Canadá, que não subscreveram a posterior Convenção Americana, editada em novembro de 1.969, não estariam, em conseqüência, sujeitos às obrigações nela inscritas. Contudo, o Direito Internacional dos Direitos Humanos vem repelindo semelhante interpretação e considera que as obrigações constantes da Convenção valem para os países que firmaram a Declaração, pois o conteúdo desta última encontra-se claramente inscrito nos dispositivos da aludida Convenção.

A OEA, mediante seu órgão de defesa dos direitos humanos – a Comissão (CIDH) e a Corte (CIDH) – tem tido atuação de relevo na luta pelos direitos humanos e pela democracia nos países do hemisfério. As recomendações da Comissão e as sentenças da Corte têm tido papel relevante na redemocratização das antigas ditaduras latino-americanas. É preciso que essas decisões sejam conhecidas para avaliar-se o seu papel na luta contra o arbítrio que se instalou no continente e no Caribe, responsável por cruéis violações dos direitos humanos. Podemos citar, dentre outros, o seu comportamento durante as ditaduras na Argentina e no Chile e contra o “fugimorismo” no Peru. De lembrar-se que na Argentina e no Peru comemorou-se, não faz muito tempo, a presença da CIDH na luta contra a ditadura militar na Argentina, como pelo restabelecimento da democracia no Peru e em vários países da América Central e do Caribe.

É certo que o sistema interamericano de direitos humanos contraria, muitas vezes, interesses de governos dos países latinos das Américas, mas não se pode esquecer de que o grande violador dos direitos humanos ainda são os Estados. Ignorar esse fato é abrir novos espaços para a reinstalação do arbítrio na região.

Talvez seja por falta de compreensão, ou até mesmo pela ignorância do que representa a OEA e do que tem sido sua atuação, que se procura instituir o que a imprensa brasileira chama de OEA do B.

Os problemas da América Latina e do Caribe são compatíveis com uma ampla discussão, como até agora tem acontecido e na qual se inserem Estados Unidos e Canadá. Ora, se os problemas podem ser discutidos em conjunto, por que um novo órgão – ao que tudo indica criado para acalentar a vaidade de novos ditadores que se vão, à socapa, se instalando no Continente.

Ao invés de reconhecer a universalidade dos direitos humanos, passamos a partilhá-los, excluindo parceiros importantes em decisões que devem ser amplas, conseqüentes
e convergentes quantos aos seus fins.

Seria, em última análise, o caso de convocar-se extraordinariamente uma Assembléia Geral da OEA, para conhecer e discutir o problema, para que não se enfraqueça, com o seu esfacelamento, a luta pelos direitos e pela democracia, objetivos principais de sua atuação.

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