segunda-feira, 26 de abril de 2010

A desumanidade nas prisões brasileiras

Uma questão que sempre volta à tona nos debates, mesmo porque nunca foi objeto de maior atenção por parte do poder público, refere-se à desumanidade no tratamento do preso, com completo descaso pelos seus direitos como pessoa humana.

Na verdade, a Justiça penal impõe ao condenado duas penas, uma que poder-se-ia qualificar de virtual, ditada pelo juiz em sua sentença, e outra, real, a ser cumprida em nossas penitenciárias, onde a superlotação, a corrupção e a violência se sobrepõem a qualquer iniciativa que objetive a reeducação do detento, que deveria ser a meta de qualquer sistema prisional digno desse nome.

As coisas, nesse plano, vão sendo levadas sem o conhecimento, e até com o consentimento da sociedade dos bons, quando, vez por outra, cai, por assim dizer, a cortina, a desvendar em sua nudez toda a miséria na vida dos presidiários.

É o que acabou acontecendo nos presídios do Estado do Espírito Santo,e sem dúvida está acontecendo em São Paulo e em outros estados da Federação, onde a crueldade de tratamento alcança dimensões difíceis de imaginar, sem que se adotem medidas, a não ser as repressivas contra os que tentam se rebelar.

Realmente, uma prisão que abrigue mais de poucas centenas de detentos é ingovernável, pois a direção perde o contato com eles. Tal contato, entretanto, deveria ser permanente, desde que um diretor de prisão não pode ser apenas um burocrata encerrado em seu gabinete e afogado num mar de papéis, mas deve estar presente no quotidiano da prisão, pois tem, perante o preso, um papel importante a desempenhar na sua reeducação.

Não há muito tempo, o diretor de uma penitenciária do Estado era rigorosamente selecionado, tendo em vista não somente seus conhecimentos das ciências penais e penitenciárias, mas, sobretudo, sua probidade e respeito pela pessoa humana. Não se deixava permanecer em seu gabinete, mas se constituía em instância de conciliação, convivendo com a população carcerária para sentir seus problemas e mediar conflitos entre funcionários e presos, no sentido de melhor solucioná-los, para proporcionar perspectivas de real esperança no porvir.

Certa feita, ao se discutir o problema da violência e da corrupção nas prisões brasileiras perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos, esclareceu-se, para surpresa de seus juízes, que as nossas penitenciárias não possuíam refeitórios; que os presos faziam suas refeições nas celas, sem talheres, ingerindo comida de péssima qualidade, mais própria para animais do que para seres humanos.

Note-se que os presos não trabalham. Ocupam-se, quando muito, em montar pequenos objetos de uso doméstico, como prendedores de roupa, ou armações de guarda-chuvas. Costuram também bolas de futebol. Nada que se lhes traga perspectivas de trabalho com remuneração adequada. Em liberdade, são abandonados à própria miséria. Isto, sem que se cuide de revisar a legislação penal como um todo, afim de que não seja como é, essencialmente repressiva.

Precisaríamos, primeiro, considerar a pena de prisão como medida extrema, estimulando-se o uso da pena em serviços à comunidade e, depois, por um fim às grandes penitenciárias que abrigam mais de mil detentos, impossível de ser bem administradas e cuja direção passa às facções criminosas que nascem, justamente, por falta de uma direção atenta aos problemas do presidiário.

E que não se distanciem o juiz, o promotor e o defensor durante o cumprimento da pena, hoje entregue, com exclusividade, a órgãos do Poder Executivo, com total ignorância, por parte daqueles, sobre o que acontece no real cumprimento da pena.

Se estamos, nesse plano do tratamento do preso, em paz na maioria dos Estados, não se trata de uma paz com esperança, mas de uma paz imposta pela violência, pela crueldade e pela corrupção, que acabará por explodir, hoje ou amanhã, como já aconteceu, em sangrentas rebeliões.

É esperar, para ver.

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