O procurador Geral da Republica, Roberto Gurgel, em parecer na ação de Descumprimento de Preceito Fundamental proposta pela OAB perante o Supremo Tribunal Federal, assinala, segundo noticiário da imprensa (cf “O Estado de S. Paulo”, ed. de 31 de janeiro passado), que a Lei de Anistia “foi resultado de um amplo debate nacional que contou inclusive com a participação dos advogados”. E ressaltou que “não é possível encolher o sentido jurídico, político e simbólico da anistia”.
Labora em lamentável equívoco o chefe do Ministério Público Federal. Na verdade, o debate a que se refere não ocorreu sobre o conteúdo da lei editada pelo general presidente João Figueiredo, mas expressivamente pela decretação de uma anistia ampla e irrestrita.
A lei de anistia, tal e qual editada em 1979, não foi objeto de debate, mas o resultado de um movimento popular que exigia anistia para as vítimas das atividades cometidas pelo Estado totalitário inaugurado com o golpe em 1º de abril de 1964.
Assim que promulgada, os juristas da ditadura e aqueles que a ela se acomodaram buscaram uma interpretação esdrúxula da lei em questão, sobretudo, oportunista, para estendê-la aos agentes do Estado que para a manutenção do regime prenderam ilicitamente, torturaram e eliminaram quantos se opunham às arbitrariedades do sistema.
Trata-se do velho jargão de que a Lei de Anistia é uma lei de duas mãos a beneficiar torturadores e torturados.
Ora, basta que se leia o texto da lei, com olhos de quem quer ver, para verificar o desacerto de uma conclusão incompatível, primeiro, com o próprio conceito do que seja anistia - perdão para quantos lutaram contra o poder absoluto - e, em segundo lugar, mediante a interpretação sistemática do texto.
Assim, quando a lei fala em crimes conexos ela não abrange os delitos praticados pelos agentes do Estado, pelo simples motivo de que, em direito penal, a conexidade não pode ser encontrada em crimes cometidos segundo motivos que se opõem: o policial que tortura um delinquente, qualquer que seja o motivo, para obter informações ou até mesmo sua confissão, não pratica um crime conexo com o do autor que tortura ou mesmo elimina. Os autores de um ou de outro delito tem motivações inteiramente contrárias: os crimes não são conexos.
Bastaria melhor atenção aos termos da lei e um pouco de leitura da doutrina penal para que o chefe do Ministério Público Federal não cometesse o lamentável equívoco de encontrar na Lei de Anistia o perdão para torturadores e assassinos.
E nem, finalmente, se argumente, como já tem acontecido, que aqueles justamente beneficiados pela Lei de Anistia também cometeram delitos e precisam ser punidos.
Tenha-se presente que já foram eles punidos: presos, torturados, condenados, expulsos da Pátria, exilados e perseguidos. Para justificar o injustificável esquece-se até o “non bis in idem”...
A lei de anistia não precisa ser alterada. Deve ser interpretada e aplicada corretamente, processando e punindo quantos – agentes do Estado - cometeram crimes contra a humanidade imprescritíveis segundo normas do Direito Internacional, dos Direitos Humanos e que se incorporam ao direito brasileiro.
A reconciliação pretendida com a violação da lei e do direito não pode, por essa via, ser encontrada. Punir delinquentes é dever do Estado e no caso de militares, policiais e civis que violaram os direitos humanos no período ditatorial, se constitui em séria advertência para o futuro e estabilidade do Estado de Direito Democrático.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Obrigado por sua participação. Talvez queira nos seguir nas redes sociais:
Twitter: http://twitter.com/Heliobicudo
Facebook (perfil 1): http://www.facebook.com/helio.bicudo
Facebook (perfil 2): http://www.facebook.com/helio.pereira.bicudo