sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

A Lei de Anistia e a Impunidade

O jornalista Fernando Rodrigues, em artigo publicado na “Folha de S. Paulo” (1º de fevereiro), ao assinalar que está em curso no Supremo Tribunal Federal ação proposta em 2008 pela Ordem dos Advogados do Brasil a propósito do alcance da lei de anistia deixa propriamente de lado a questão fundamental, qual seja o processo e o julgamento daqueles que, exercendo as atribuições da chamada polícia de segurança do regime, prenderam ilicitamente, torturaram e mataram tantos quantos se enquadraram na concepção militar de que fossem subversos. O jornalista pondera que se dará um passo importante, mesmo que se “opte pelo perdão para tantas atrocidades” cometidas, se for determinada a "revelação de toda a documentação existente” a fim de permitir que as famílias dos desaparecidos saibam o que realmente se passou.

Realmente, tanto já se abonou o entendimento de que a lei de anistia contempla vítimas e algozes que parece falta de sentido buscarmos, mediante devida e correta interpretação do texto legal, o que ele expressa quando fala em crimes conexos.

É exatamente nesse ponto que, ao que tudo indica, falam os juristas de encomenda, o presidente da República e até mesmo o presidente do Supremo Tribunal Federal. "Deixemos de lado essa preocupação de punir os torturadores e passemos a homenagear as vítimas. Tudo em nome da harmonia social," dizem os bajuladores de uma posição equívoca de militares que se sentem atingidos pelo conhecimento de que membros das Forças Armadas violaram direitos consagrados no direito interno e no direito internacional dos tratados que contemplam os direitos humanos. A pacificação nacional não passa por aí, mas pela realização da justiça.

Ora, não acredito que juristas possam, de sã consciência, acreditar nessa esdrúxula interpretação que considera crimes conexos aqueles praticados por pessoas diferentes movidas por motivos opostos.

Crimes conexos são aqueles cometidos segundo a unicidade de dolo: o ladrão incendeia a casa assaltada para não deixar pistas; o estuprador mata sua vítima para não ser identificado. Outra coisa é espancar o indigitado autor de um crime para obter uma confissão ou outras informações. O policial que assim atua não pratica um crime conexo ao do ladrão, mas um delito autônomo a ser punido em procedimento próprio. Isso é elementar em Direito Penal. Basta abrir o Código ou comentários que já se fizeram a propósito. É elementar.

Daí que não pode o Supremo Tribunal Federal ceder passo a uma interpretação oportunista de um texto legal que, em absoluto, isenta de punição os agentes do Estado que cometeram violações graves dos direitos humanos, incidindo em delitos contra a humanidade que são imprescritíveis, na forma de tratados de que o Brasil é parte.

É preciso, assim, abrir os arquivos da ditadura militar, mas, sobretudo, chamar às contas perante a justiça comum aqueles que torturaram e mataram em nome da manutenção de um estado totalitário.

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