segunda-feira, 29 de março de 2010

Trabalho infantil sofisticado

Um assunto que por vezes aparece no noticiário dos jornais – é verdade que de maneira muito pouco explícita – refere-se ao trabalho infantil na TV, ou seja, nas novelas e programas ali veiculados. Ou nas produções cinematográficas.

A imprensa a ele se refere apenas quando surge um caso mais emblemático. Foi assim no episódio em que aparecia uma garota exposta num programa do apresentador Sílvio Santos, e, por último, relativamente ao desempenho de uma menina de nove anos na novela “Viver a vida”, da TV Globo.

E quando o faz, ao invés de propor soluções, mediante consulta a “experts”, conclui que a lei que disciplina a matéria é omissa sobre a atuação de menores na TV e no cinema (Folha de S. Paulo, caderno Ilustrada, de 21 de março corrente).

Ora, como se lê no próprio noticiário, a lei não é omissa, e, sem dúvida, proíbe a participação de menores de 16 anos como atores da terceira arte. A Constituição Federal vigente é, a propósito, bastante clara em seu artigo 7, inciso XXXIII, que proíbe qualquer trabalho a menores de 16 anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de 14 anos.

É certo que a participação de crianças em representações artísticas é permitida pela Convenção 138, da Organização Internacional do Trabalho, a qual, ratificada pelo Brasil, tem o mesmo valor de uma garantia fundamental, nos termos do artigo 5, parágrafo 2, ainda da Constituição Federal, segundo o qual “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou de tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.

Basta, entretanto, a leitura atenta desses dispositivos para concluir que o “trabalho” de menores de 16 anos continua proibido, pois uma coisa consiste na participação em uma representação teatral, dentro de determinados contextos – por exemplo nas festas escolares – e que têm caráter educativo, assim como em peças infantis que são levadas ao público escolar (pais, mestres e amigos), nas representações que costumam coroar as festividades do fim de ano. Ou, também, em eventuais programas culturais, para mostrar a vocação de crianças, como acontece nas competições musicais, nos grupos teatrais ou nas apresentações de orquestras de crianças ou jovens.

Nas apresentações na TV ou no cinema, trata-se de uma atuação profissional que importa em dedicação, muitas vezes exclusiva, com exaustivos treinamentos suportados a duras penas pelos meninos e meninas, no objetivo de alcançar o desempenho necessário diante do público. Não é um brinquedo como podem asseverar os pais, interessados nos salários das pequenas vítimas exploradas comercialmente, e que deixam de lado qualquer apelo educativo.

Veja-se, ademais, o que acontece na área das modelos, quando são as mães que levam suas filhas, jovens de 14 ou 15 anos, à exposição pública tendo em vista os altos salários concedidos àquelas que conseguem se diferenciar nos desfiles patrocinados pelas casas de alta costura.

No Brasil, a leniência no uso de menores para o sucesso financeiro dos pais toma os contornos de uma permissão não só tolerada, como ratificada por uma interpretação equivocada da lei, quando basta a leitura de seus termos para a conclusão de que os exemplos citados são proibidos pela Constituição Federal e devem merecer a atenção, não só do Ministério Público do Trabalho, mas, por igual, do Ministério Público da infância e da adolescência.

Vamos acabar, de vez, com o “ora a lei” dos regimes autoritários e populistas.

Um comentário:

  1. O poder midiático no Brasil, que costuma funcionar como agente fiscalizador das leis, fazendo denúncias sob os mais diversos temas sociais e políticos , não trata de suas próprias feridas. Infelizmente no Brasil tem norma constitucional que pega e que não pega, quem dirá as leis.

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