quarta-feira, 19 de maio de 2010

A situação, hoje, dos crimes de Imprensa*

Propõe-se, aqui, a discussão sobre brechas, recursos e artigos das leis que facilitam a impunidade, evidentemente para evitá-la.

Começando pela Constituição Federal, podemos afirmar que em seu texto, no que respeita aos direitos e garantias fundamentais, não há que falar em impunidade. Contudo, a interpretação que se vem alargando para responder às demandas, em especial, daqueles que detêm o poder, vai no sentido da impunidade.

Assim, não obstante encontremos no artigo 5, da Carta de 88, normas que preservam a livre manifestação do pensamento, concretizada na livre expressão da atividade intelectual, impondo a inviolabilidade da vida privada, da honra e da imagem da pessoa e, como conseqüência, considera invioláveis o sigilo da correspondência e das comunicações telefônicas, a verdade é que essas violações acontecem no quotidiano de nossas vidas, contempladas, em geral, pela impunidade.

Um exemplo: o inciso LVII, do citado artigo 5, da Constituição Federal, dispõe que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Trata-se de dispositivo cujo objetivo é resguardar o direito à liberdade de ir e vir, ou seja, que ninguém possa ser preso - quer dizer perder a liberdade - sem uma sentença penal irrecorrível.

Pois bem, na interpretação que vem sendo adotada pela lei de inelegibilidades ao disposto no aludido artigo 5 da CF, o exame, pela Justiça Eleitoral, da vida pregressa de candidato a pleito eleitoral resume-se à constatação de que contra ele inexiste sentença penal transitada em julgado. Quer dizer, a lei complementar restringiu o disposto na Constituição sobre o conceito de vida pregressa, de que resultou a composição, responsável em nossa vida institucional, pela mais deslavada corrupção ocorrente nos três poderes da República, desfigurando o princípio da representação popular.

Outros exemplos da interpretação de textos constitucionais e infraconstitucionais que levam à impunidade podem ser encontrados por quem se detiver no exame da ordenação jurídica do País. O caso mais recente pode ser constatado em recente decisão do STF, ao considerar a Lei de Anistia fruto de um consenso que não houve, para abranger os crimes contra a humanidade cometidos por agentes da ditadura que prenderam ilegalmente, torturaram e mataram muitos daqueles que se insurgiram contra o regime militar que se instalou no Brasil em 1.964 e que perdurou por mais de vinte anos.

Hoje, derrogada a Lei de Imprensa (1.967) por decisão do STF em argüição de descumprimento de preceito fundamental apresentada pelo PDT, os crimes de imprensa passaram a ser contemplados pelas normas que punem a calúnia (artigo 138), com pena de seis meses a dois anos de detenção e multa; a difamação (artigo 139), com pena de três meses a um ano de detenção e multa; e injúria (artigo 140), com pena de um a seis meses de detenção e multa.

São crimes de ação privada, promovida mediante queixa, sendo que a vítima decai desse direito se não o exercer dentro do prazo de seis meses, contado do dia em que teve conhecimento de quem é o autor do crime.

Dependendo do autor do fato incriminado, o procedimento penal pode ser mais rápido ou mais lento, levando inexoravelmente ao esquecimento. E mesmo quando uma sentença penal é proferida, ela será desfigurada pela sua transformação em meros e discutíveis serviços à sociedade.

Com é sabido, determinados agentes do poder público que ocupam posições no Executivo, Legislativo e Judiciário, gozam do que se chama de foro especial. Nos crimes que cometem não são processados e julgados por um juiz monocrático, mas por instâncias colegiadas, o que muitas vezes leva o réu a ser julgado pelos tribunais superiores, com delongas que irão desaguar na impunidade. Veja-se o que está acontecendo com o processo do “mensalão”.

Aliás, o sistema judiciário brasileiro, por si só, constitui-se em fator de impunidade. Não só pelas brechas de nossas leis processuais a permitir um sem-número de recursos a impedir em prazo razoável uma decisão final, mas, por igual, é conseqüência de uma estrutura centralizada a impedir maior eficiência na colheita de provas, com protelações que desfiguram sua fisionomia e impedem uma apreciação racional do conteúdo do processo.

As capitais dos Estados e as grandes cidades cresceram desenfreadamente, fruto da concentração urbana a que assistimos e que se apresenta irreversível. Por isso mesmo, tornaram-se incompatíveis com a centralização dos serviços judiciários, tal e qual existia no passado e que persiste ainda hoje, em grande parcela responsável pela impunidade que se vai tornando regra.

Para tomarmos um exemplo, talvez o mais significativo, cito a cidade de São Paulo, onde a justiça de primeira instância está centralizada para atender a uma população de cerca de quinze milhões de pessoas, em um fórum criminal, um fórum civil, meia dúzia de varas e poucos fóruns regionais.

Em razão de que as lides penais se eternizam e dada a mobilidade de juízes e promotores no atendimento dos casos de sua competência, a justiça penal não preenche suas finalidades de punir os culpados e de lhes impor pena adequada. Os réus não são julgados pelos juízes que presidiram ao seu interrogatório e participaram da instrução. De um modo geral, o juiz que decide é o quinto ou sexto que passa pelo processo, e vai decidir sobre papéis, esquecido o conteúdo humano que deve ter a imposição de uma pena.

São Paulo comportaria cerca de 500 distritos judiciários para conhecer lides criminais e civis. Mas isto, dirão, custa muito caro: novos juízes, promotores, defensores, pessoal de cartório, acomodações físicas, etc., etc.. Penso, ao contrário, que o custo de uma solução como a proposta, permitindo livre acesso à Justiça, vale muito mais do que o dinheiro despendido com a construção, por exemplo, de uma Belo Monte, essencial que é para preservar o princípio maior de que todos são iguais perante a lei.

Então, para que a impunidade não comprometa a boa administração da Justiça, seja do ponto de vista dos delitos chamados de opinião ou da criminalidade em geral - mesmo porque a impunidade é a mola da violência, nas suas mais variadas modalidades - é preciso que busquemos uma nova estrutura para os serviços judiciários, agilizando-os; impondo a permanência do mesmo juiz no processo, desde sua abertura até final conclusão; estabelecendo a oralidade nas audiências e julgamentos, imediatamente à prática da infração, nos casos de menor gravidade; reduzindo-se o número de recursos, para que as sentenças sejam pronunciadas, preferencialmente pelo juiz natural e depois submetidas a um único tribunal, que manterá ou reformará, em definitivo, a decisão impugnada.

O crime contra a imprensa tem como autor preferencial o Estado. É este que, segundo interesses menos nobres, procura impor limites à atuação dos órgãos de comunicação, imprensa escrita, rádio e televisão.

Na América Latina, temos exemplos recentes de intervenções do Estado nesse campo, as quais, pelos seus agentes, intentam impedir o melhor esclarecimento público mediante a imposição da censura, mascarada por uma “legalidade” construída pelo arbítrio.

No Peru tivemos, há não muito tempo, dentre outras, a intervenção do Estado em um canal de televisão, mediante artifícios legais de clara imposição para alcançar a participação de seus agentes na composição de sociedades que trabalhavam na área da informação. Isso aconteceu durante a ditadura Fujimori no Peru e está acontecendo na Venezuela, sob Hugo Chaves.

No panorama do fujimorismo ou do chavismo, as instâncias nacionais não puderam responder aos reclamos de liberdade das sociedades oprimidas pelo poder do Estado. Em especial no Peru, elas só puderam ser restauradas mediante a intervenção do sistema interamericano de defesa dos direitos humanos que foi, sem dúvida, o agente transformador que, penetrando na consciência da sociedade civil, pode estabelecer naquele país a liberdade de expressão, imprescindível que foi para a posterior caminhada democrática, finalmente vencedora.

Em todos os casos, o poder do Estado se faz sentir nos meios de comunicação, coagindo-os, por vezes de maneira sutil, a emprestar solidariedade aos seus atos autoritários, mediante clara dosagem na propaganda de seus órgãos, que pesam nos orçamentos das empresas e que em alguns casos se constituem no principal fator de sua sobrevivência econômico-financeira.

Nesse vai e vem, pergunta-se, diante do silêncio da lei, agravado agora com o vazio que se estabeleceu a partir da mencionada decisão do STF, como restabelecer-se uma tutela legal capaz de responder às dificuldades mencionadas, para que a liberdade de informação seja uma realidade hoje e não apenas uma realidade sonhada.

É preciso que se criem mecanismos para uma reforma substancial de todo o sistema penal e processual, capaz de afastar possíveis brechas que resultem na impunidade. É necessário, ainda, tolher ao Estado o uso de meios sutis de coerção, para que o povo possa confiar naquilo que lê, escuta e vê; e para adotar posições que permitam a construção de um Estado realmente democrático.

* Contribuição ao seminário "Falhas e Brechas da Justiça: Como evitar a Impunidade nos Crimes contra a Imprensa”, realizado ontem, na PUC/Rio, pela Sociedade Interamericana de Imprensa.

2 comentários:

  1. Sou morador da Vila Invernada, e nesse periodo vimos varias mortes acontecerem o que deixou todos nos amedrontados mesmo nós que somos trabalhadores honestos e que muitas vezes somos obrigados a chegar tarde em casa, hoje é 21 de junho e as mortes por coincidencias deram um tempo por lá coisa que moro a 35 anos e nunca vi tamanha barbaridades em nosso bairro, sabemos que alguns que morreram eram ligados com dregas apenas isso mas que ao menos para mim ninca fizeram mau, o que me chocou ver foi a morte do Chico na avenida Abel Ferreira em frente a borracharia com varios tiros na cabeça a 50 mts dias atras ja haveria um outro assassinato, e antes ainda o Jorge e as coisa parecem estar impune,até agora sabemos que foram presos algumas pessoas mas resposta ainda nada.
    Bem vamos continuar aconpanhando e ver se teremos uma resposta para a sociedade e se em fim podemos andar sossegado em nosso querido bairro

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