segunda-feira, 24 de maio de 2010

A verdade sobre a “Ficha Limpa”

Pressionado pela opinião da sociedade civil, o Congresso aprovou projeto de lei encaminhado à Casa por mais de um milhão e meio de cidadãos, proposta que tramitou com o nome de “Ficha Limpa”. O projeto aprovado substitui a atual lei de inelegibilidades, nos termos do artigo 14 da Constituição Federal.

A lei de inelegibilidades ainda em vigor restringiu o exame da vida pregressa do candidato a cargo eletivo – presidente da República, governador de Estado, prefeito, senador, deputado federal e estadual e vereador – à constatação de que inexiste contra ele decisão condenatória penal transitada em julgado.

Antes de mais, é de se notar que uma lei complementar não pode restringir um mandamus constitucional. Se considerarmos vida pregressa igual a condenação penal transitada em julgado, vamos deixar de lado fatos importantes na vida de um candidato que podem não aconselhar a exposição de seu nome em um pleito eleitoral.

Em primeiro lugar, vida pregressa é expressão genérica, muito mais abrangente do que uma condenação penal. O candidato pode não ter sido condenado criminalmente, mas ter sua vida partilhada de circunstâncias que comprometem uma probidade imprescindível para o exercício de um mandato público. Em segundo lugar, exigir-se sentença penal transitada em julgado é desconhecer a realidade da justiça brasileira, pois, dependendo da posição ocupada pelo candidato, uma sentença penal jamais irá transitar em julgado.

Aliás, não se pode dar ao disposto no artigo 5º, LVII, da Constituição Federal, a extensão que lhe tem sido dada. Esse dispositivo, quando fala que ninguém será considerado culpado sem uma sentença penal transitada em julgado, constitui-se em garantia individual da liberdade de ir e vir. Nada tem a ver com o estatuto das inelegibilidades.

Portanto, a lei ainda em vigor, quando pretende definir vida pregressa como vida sem condenação criminal transitada em julgado, restringe dispositivo constitucional, o que está além da competência de uma lei, ainda que complementar à Constituição.

O projeto de lei que sobe à sanção do presidente da República fala em decisão de um colegiado em processo penal. De perguntar-se, antes de mais, qual colegiado é esse? Certamente serão os tribunais superiores, competentes para julgar pessoas que estão sujeitas a foro especial. Ou se assim é, e tomando-se em consideração que a decisão do “colegiado” pode ser adiada mediante recurso, verifica-se que nos encontramos na mesma situação da lei atual...

Depois, quando essa lei entrará em vigor? Somente em 2012?

A verdade, entretanto, é que temos um dispositivo constitucional que vale por si só. Cabe à Justiça Eleitoral, para validar uma candidatura, examinar a “vida pregressa” do candidato. Por que a Justiça Eleitoral desconhece esse mandamento para entender, mediante lei restritiva do alcance constitucional, que bandidos podem ser candidatos?

É uma pergunta para a qual não se tem resposta, quando a resposta está na própria Constituição: a lei complementar considerará a “vida pregressa” do candidato no estabelecimento de outros casos, além dos capitulados no artigo 14 da Constituição, sobre inelegibilidades de candidatos a cargos eletivos.

Em todo caso, o projeto “Ficha Limpa” é de grande relevância, pois está advertindo a Justiça Eleitoral de que não é possível governar um país sem exigir probidade daqueles que o administram.

Infelizmente, no Brasil, interesses menores se sobrepõem aos maiores interesses da Nação, onde a lei – ora, a lei – só serve para sustentar o status quo da corrupção no exercício da função pública.

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