*Palestra proferida na Câmara Municipal de Casa Branca.
Os Direitos Humanos chegam, nos últimos anos do século XX
e início desde como uma imposição da comunidade dos homens, traduzida em
tratados e convenções internacionais, ingressando por essa via na legislação
ordinária dos Estados configurando todo o processo que serve de fundamento
maior à própria democracia, agora, não apenas assentada na representação, mas,
sobretudo, na participação.
Diante desse quadro, os Direitos Humanos passaram a ser
considerados como disciplina autônoma, não só do ponto de vista teórico, mas
também prático, levedando, por assim dizer, o conjunto de leis que compõem o
ordenamento jurídico dos Estados democráticos.
Muito embora a luta pelos Direitos Humanos não seja
propriamente um movimento de nossos dias, a expressão “Direitos Humanos” já
aparece mencionada nos primeiros documentos que qualificaram os embates que
ocorreram nas lutas contra o poder absoluto, sobretudo, no final do século
XVIII, em especial na “declaração de Independência dos Estados Unidos da
América” e depois nos atos que na própria América do Norte e na Europa buscaram
normatizar as conquistas populares que se pretendia alcançar, como resultado
dos embates que resultaram no fim da monarquia francesa da casa dos “Bourbons”,
e conseqüente instituição de um Estado burguês, pretensamente democrático.
Daí a consideração
de que são Direitos Humanos aqueles que nascem com a pessoa humana e que vão
desde o reconhecimento dos direitos do nascituro até a integral garantia dos
direitos do cidadão.
Dessa definição advém a consequência de que o homem
(mulher) só possa sofrer uma pena depois de sujeitar-se ao devido processo
legal.
E aqui já reside um problema: que devido processo legal é
esse? Considera-se “processo legal” aquele que se instaura em sede de um Estado
absolutista? Se não fizermos, desde logo, a distinção entre democracia e
ditadura, correremos o risco de considerar legítimos os procedimentos levados a
efeito pelos governos absolutistas e, por isso mesmo ilegítimos. E, assim, não
podem ser contemplados como tais, na consideração de que esses direitos foram
maculados pelo arbítrio inerente ao autoritarismo, não obstante obedecidas às
regras da submissão do agente ao devido processo legal e, nessas condições,
atendidas, às regras básicas para uma condenação criminal.
Veja-se, segundo
essas premissas pretensamente legítimas, que nesses casos, não se
poderia punir com o advento de uma democracia, os crimes dos agentes de um
estado totalitário, violadores dos Direitos Humanos, como as prisões ilegais, a
tortura e o homicídio. É o que hoje está na pauta das discussões em nosso país.
Realmente, não se pode concluir, segundo o direito
natural, que basta atuar, o Estado, segundo o direito por ele instituído, para
considerá-lo isento de violações contra os direitos da pessoa humana, pois,
estariam assim convalidadas as ações do Estado Totalitário, em detrimento dos
direitos inatos aos cidadãos.
Esta consideração vem na linha de que não se pode perder
de vista, no exame da questão, a perspectiva de que os direitos das pessoas se
sobrepõem ao poder do Estado e por isso mesmo são chamados de direitos
fundamentais e como tal inalienáveis. Vão eles muito além do reconhecimento de
que assim se qualificam. Os Direitos Humanos são os direitos de ser, mas se ser
com dignidade.
Diante do exposto é possível tirar toda uma série de
conclusões que resguardam, além do direito escrito, as inúmeras facetas que
compõem a personalidade do homem.
Não há dúvida de que o conceito de Direitos Humanos não
surgiu num dado instante, mas é fruto de uma lenta elaboração que vem sendo
construída através dos séculos, segundo a concepção ínsita no cristianismo, de
que o homem, feito à imagem e semelhança de Deus, paira além de quaisquer
forças que pretendam sufocar suas potencialidades, imprescindíveis ao seu
permanente aperfeiçoamento.
Na verdade, os movimentos revolucionários que, se vem
sucedendo a partir do chamado “século das luzes”, ocorreram como uma resposta
do homem comum, do cidadão, ao poder do Estado, pelo reconhecimento de uma
qualificação que iguala a todos nós, como sujeitos de direito e não como meros
objetos da vontade estatal.
Não é por outro motivo que Norberto Bobbio afirma que a
Declaração Universal contém em germe a síntese de um movimento dialético que
começando pela universalidade concreta dos direitos naturais, transfigura-se na
particularidade concreta dos direitos positivos e termina na universalidade não
mais abstrata, mas também ela concreta, dos direitos positivos universais... A
declaração universal representa a consciência histórica que a humanidade tem
dos próprios valores fundamentais o que aparece, com maior ênfase, na segunda
metade do século XX. É uma síntese do passado e uma inspiração para o futuro,
mas as suas tábuas não foram gravadas de uma vez para sempre.
Elas vão, contudo, prevalecer, não obstante os ventos que
venham a soprar em sentido contrário. Poderão sofrer alterações, mas, sem
dúvida, sua razão de ser será o compromisso de continuidade e aperfeiçoamento.
A justiça, na definição do Direito Romano- jus est ars
boni et aequi – não se prende às regras específicas do direito escrito.
Vai daí que é nesse sentido, de um direito acaso ainda
não escrito, que os Direitos Humanos podem e devem ser considerados quando se
procura construir o edifício onde more a Justiça.
Depois da fuga do cativeiro, no Egito, chegado ao Sinai,
o povo judeu recebeu, das mãos de Moisés, as chamadas tábuas da lei, com os dez
mandamentos, onde se lê, dentre outras, as obrigações de “não matar”, de “não
roubar”, de “não cometer falso testemunho”, de “não cobiçar o que pertence ao
próximo” (Êxodo, 20: 1/17).
E, ainda, de se notar as leis referentes aos escravos e
ao homicídio.
Nas primeiras, escravidão não aguilhoava o servo por toda
a vida. Estabelecia-se um período de 6 anos, pois no sétimo ano, o escravo
estava liberto sem nada pagar.
No homicídio imperava a lei de Talião, vida por vida,
olho por olho, dente por dente, mãos por mãos, pé por pé, queimadura por
queimadura, chaga por chaga (Êxodo, 21: 12 a35).
Como se vê os Direitos Humanos vêm contemplados no
decálogo do Velho Testamento, quando se impôs o “não matarás”. E bem depois, na
mensagem de Jesus Cristo, anotada por seus apóstolos, nas Bem Aventuranças do
Sermão da Montanha, onde lemos: “Bem-aventurados os pobres de espírito, porque
deles é o Reino dos Céus; Bem-aventurados os que choram, porque serão
consolados; Bem-aventurados os mansos, porque possuirão a terra;
Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados;
Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia;
Bem-aventurados os puros de coração, porque verão Deus; Bem-aventurados os
Defensores da Paz, porque serão chamados filhos de Deus; Bem-aventurados os que
são perseguidos por causa da justiça, porque deles é o Reino dos Céus;
Bem-aventurados sereis quando vos insultarem e perseguirem e, mentindo, disserem todo o gênero de calúnias
contra vós, por minha causa. Exultai e
alegrai-vos, porque será a vossa recompensa nos céus, porque também assim
perseguiram os profetas que vós procederam” (Mateus, 5:2-12).
Ou em Lucas (6: 20-23); ou ainda em João (14, 15 e 16),
ao final, “disse-vos essas coisas para não sucumbirdes...”
Como se percebe, na medida em que a consciência dos
Direitos Humanos vai permeando a sociedade – e vemos o seu surgimento e
desenvolvimento na própria evolução do homem – mais se torna imprescindível o
seu conhecimento e suas implicações para melhor aplicação das leis, não mais
para impor a ordem, mas para encontrar o alto significado uma justiça que se
realiza no homem, como ponto de partida e ponto final do direito.
Antes mesmo da aceitação dos direitos do homem, como
fundamento do Estado Democrático de Direito, a Igreja, nas encíclicas papais
que se sucederam a partir do Concílio Vaticano II, já buscava a concretização
dos ideais anunciados pelos apóstolos nos Evangelhos.
E antes da Igreja, o Senhor, falando mediante a voz dos
profetas acentua que mais deseja o amor do que sacrifícios; o conhecimento de
Deus mais que os holocaustos (Oséias 6:6).
Havia uma antiga tradição profética em que Deus insistia
não somente na justiça e no culto, mas na justiça acima do culto. Deus já
dissera repetidas vezes “rejeito sua adoração por falta de justiça, mas nunca
rejeitarei sua justiça por falta de adoração”.
Leia-se em Amós 5:21-24:
“Odeio, desprezo vossas festividades; não sinto gosto
algum em vossos cultos. Mesmo que me ofereçam vossos holocaustos e vossas
oferendas em grãos não irei aceitá-las; e não olharei as oferendas de vossos
sacrifícios e animais cevados. Longe de mim o ruído de vossos cânticos; não
ouvirei a melodia de vossas harpas. Mas, deixe que jorre a equidade como uma
fonte e a justiça como torrente que não seca”.
Assim se expressa o Senhor:
Desejo mais o amor que sacrifícios; o conhecimento de
Deus mais que os holocaustos (Oséias, 6:6).
Muito tempo depois, com o Concílio Vaticano II, numa, por
assim dizer, revisão do passado, os papas do século XX buscam uma justaposição
entre amor e justiça.
É assim que surge a encíclica, “Pacem in terris”,
elaborada pelo papa João XXIII, objetivando os fieis de todo o Orbe, bem como
às pessoas de boa vontade, sobre a paz de todos os povos na base da verdade,
justiça, caridade e liberdade.
A ela somaram-se as cartas de Paulo VI e de João Paulo
II, todas elas buscando disseminar a prática dos Direitos Humanos.
Na “Humanae Vitae”, Paulo VI lembra, numa visão global do
homem, que da mesma forma, como qualquer problema que diga respeito à vida
humana, o problema da natalidade deve ser considerado numa perspectiva que
transcenda as vistas do homem e da sua vocação, não só natural e terrena, mas
também sobrenatural e eterna.
A “Evangelium vitae”, de João Paulo II, editada em 1995,
tem como mote “o valor e a inviolabilidade da vida humana”, diz enfaticamente
“a vida humana é sagrada e inviolável em cada momento de sua existência,
inclusive na fase inicial que precede o nascimento”.
Na mesma linha de pensamento, a Congregação para a
doutrina da fé baixou instruções sobre o respeito à vida humana nascente e a
dignidade da procriação.
Finalmente, como que coroando a atuação de quantos, agora
nos Estados, se esforçaram por conseguir a institucionalização das lutas pelos
Direitos Humanos, a Assembléia Geral da ONU, pela resolução 48/134, de 20 de
dezembro de 1993, resolveu que uma instituição nacional deverá ser dotada da
competência para promover e proteger os Direitos Humanos.
São chamados “Princípios de Paris”, que definem e
estabelecem as responsabilidades das instituições nacionais.
Assim, uma instituição nacional deve ter, dentre outras, a
responsabilidade de apresentar aos órgãos do Estado, com caráter consultivo,
pareceres, recomendações, propostas e relatórios sobre quaisquer questões
relativas à promoção e proteção dos Direitos Humanos e, bem assim, chamar a
atenção dos governos dos Estados para situações em que ocorram violações de
Direitos Humanos, em qualquer parte de seus territórios.
Cabe, ainda, às instituições nacionais a promoção da
harmonização das legislações nacionais, regulamentos e praticas com os
instrumentos internacionais de Direitos Humanos.
Os aludidos princípios fixam regras para a cooperação com
as Nações Unidas e qualquer outra organização no Sistema das Nações Unidas e
estabelecem composição e garantias de independência e pluralismo na atuação em
nível nacional e internacional.
Como se vê, hoje em dia, conseguiu-se cercar a atuação
das entidades governamentais e não governamentais de defesa dos direito humanos
de garantias que as tornam mais aptas a exercer suas atribuições.
A verdade, contudo, é de que não se esmoreça nessa luta,
pois o Estado que é o maior violador dos Direitos Humanos, vai prosseguir nessa
caminhada, de violador dos Direitos Humanos.
Para exemplificar, aí está a construção da hidroelétrica
de Belo Monte, no interior do Brasil, um compromisso de campanha, segundo a
Presidente do País. Contudo, na linha de estudos de entidades técnicas de
renome, a construção dessa usina irá violar o direito de moradores da região a
ser inundada ou já inundada. Cerca de 25 mil pessoas serão afetadas pelo lago
ou lagos que irão propiciar a geração de energia para atendimento das demandas
das indústrias na região.
Ora, um compromisso de campanha não pode ser alegado para
uma violação, mormente quando se vislumbra, além desse compromisso, o pagamento
puro e simples de favores às grandes empreiteiras financiadoras da campanha,
que a levou à curul presidencial.
De lembrar-se a posição adotada pelos órgãos
governamentais, a uma resolução da CIDH, órgão da OEA, a propósito de um pedido
de esclarecimento que implicariam na paralisação temporária da construção da
usina em questão. Qualificou-se a atitude da CIDH como uma intromissão indevida
nos negócios internos do país, quando a verdade é que essa “intromissão” estava
respaldada em dispositivos da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, que é
lei constitucional no ordenamento jurídico brasileiro.
Tenha-se em mente que é uma falácia, para justificar
aquilo que muitas vezes é injustificável, apelar-se para compromissos com o
desenvolvimento do País, o qual, diga-se de passagem, não pode continuar refém
das imposições dos grandes conglomerados nacionais e internacionais, que têm
como objetivos suas necessidades no atendimento às imposições do capital, o
deus da sociedade moderna.
Quero lembrar que a presidente Dilma Roussef ao impugnar
a posição de entidades internacionais de defesa da pessoa humana e do meio
ambiente, tentou, numa linguagem qualificada por um nacionalismo já
ultrapassado, jogar ao “léu” interesses legítimos de toda uma comunidade, para
premiar interesses de grandes empreiteiras do setor hidroelétrico...
Satisfazendo assim, compromissos eleitorais tomados quando de sua eleição para
a Presidência do País.
Em remate, cabe a todos nós, pessoas físicas ou
jurídicas, sobretudo não governamentais, a tarefa de permanecer vigilantes para
que o patrimônio nacional não seja maculado por intervenções, partam elas de
onde partir, pois somente assim estaremos contribuindo para a construção de um
país livre e democrático.
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