segunda-feira, 14 de junho de 2010

A “ficha suja” ganhou

Em que ficamos com a promulgação da chamada “lei da Ficha Limpa”?

Mesmo com a decisão da lei da Ficha Limpa valer para as eleições deste ano, muito pouco ou quase nada resultou do esforço popular para alterar a lei de inelegibilidades (lei complementar, nos termos do artigo 14 da Constituição Federal) a fim de que não possam participar de eleições candidatos com vida pregressa desaconselhável para o exercício de representação popular nos pleitos para presidência da República, governadores de Estado, prefeitos municipais, senadores, deputados federais e estaduais e vereadores.

O projeto de lei popular, com mais de um milhão de assinaturas, foi em grande parte desvirtuado em sua tramitação na Câmara dos deputados e por último no Senado Federal, de sorte que inexistem quaisquer garantias de que nas eleições futuras, inclusive o pleito a ser disputado em outubro próximo, serão afastados os candidatos com vida pregressa comprometida por atuação imoral ou ilícita.

Com a nova lei ficam impedidos de se candidatar os condenados por um colegiado de juízes, ou seja, um tribunal. Considerando-se a demora na conclusão de uma ação penal, mormente tendo-se em vista o poder sócio-econômico do réu, estamos trocando seis por meia dúzia. Se a lei anterior requeria o trânsito em julgado da sentença condenatória para impedir-se a candidatura de pessoas com maus antecedentes, de pouca valia será a nova lei para coibir candidatos indesejáveis. Basta verificar que, a depender do réu, uma sentença a ser proferida por um tribunal demanda de dez a quinze anos.

Para completar, o réu condenado pode, com efeito suspensivo, recorrer dessa decisão, o que obriga o colegiado a aguardar a solução do caso para só então declará-lo inelegível ou não.

Toda a questão não está na maneira pela qual o problema foi equacionado. Trata-se de uma lei complementar a um texto constitucional e é pacífico em Direito Constitucional que a lei infra-constitucional não pode restringir o texto que trata de regulamentar.

Nesse caso é claro que se restringiu o texto constitucional. Vida pregressa não pode ficar resumida a uma condenação criminal por um tribunal (colégio de juízes, eufemismo) como quer a nova lei.

Na versão anterior, interpretou-se “vida pregressa” como sentença penal transitada em julgado, na forma do disposto no artigo 5º LXII, da Constituição Federal, interpretação inegavelmente equivocada porque o referido dispositivo constitucional visa resguardar o direito de ir e vir, nada tendo a ver com o estatuto das inelegibilidades. Agora, basta uma condenação proferida por um tribunal. É ainda, como se vê, uma restrição à melhor interpretação do texto constitucional. E nessa hipótese, deve-se aplicar a Constituição e não a lei infra-constitucional.

De parabéns a luta pela “Ficha Limpa”, mas diante do quase nenhum resultado obtido, os seus promotores deveriam prosseguir exigindo que a Justiça Eleitoral – ao invés de acomodar-se, aplicando uma lei que transborda de suas finalidades – use o texto constitucional por si só bastante para afastar os aventureiros da representação popular.

Todos nós, a justiça inclusive, devemos em uníssono pleitear o cumprimento da Constituição, a qual, descumprida, compromete a composição de dois dos três poderes do Estado, permitindo que a corrupção e a leviandade tome conta da República e, o que é pior, impeça a realização de uma reforma capaz de devolver a ética ao exercício da função pública.

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