terça-feira, 2 de novembro de 2010

Liberdade de expressão*

A liberdade de expressão, que tem na imprensa sua melhor qualificação, não é vista com bons olhos por quantos se sentem intocáveis no exercício da função pública.

Quando os ventos autoritários se fazem sentir, violando os direitos fundamentais da pessoa humana, dentre eles o primeiro a ser descartado é o da liberdade de expressão, buscando cerceá-la para que a verdade seja ocultada da sociedade civil, embalada pela mentira.

Tivemos episódios na América Latina que bem demonstram o mal estar de governantes que embora eleitos inicialmente segundo as normas democráticas, não conseguem aceitar, mínimas que sejam, críticas a seu modo de atuar.

É o que se viu na ditadura Fujimori no Peru e que reaparece em países de nosso hemisfério, alguns deles claramente agindo contra a liberdade dos meios de comunicação e outros, como é o caso do Brasil, procurando, sorrateiramente, o mesmo resultado, mediante o sofisma da “democratização da mídia”.

Das críticas à imprensa escrita, falada e televisiva, diante da dificuldade encontrada pela União, em agir segundo um claro sistema de censura, a incumbência passa, numa primeira etapa, aos Estados governados pelo PT.

É o caso do Ceará, que já elaborou lei fiscalizadora e que está sendo seguido por Alagoas, Piauí e Bahia, onde se pretende constituir conselhos para atuarem no controle dos órgão de comunicação, como se isso devesse ocorrer em benefício do povo.

Ora, basta ler a Constituição Federal, quando trata dos direitos fundamentais, para constatar-se, no seu artigo quinto, a imposição da inviolabilidade do direito de expressão, independentemente de censura ou licença.

Acrescente-se que a Constituição impõe a punição a qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais (inciso XLI, do citado artigo quinto).

Na verdade, o reconhecimento dos direitos fundamentais é, sem dúvida, o elemento básico para a realização do princípio democrático. Na lição de Gomes Canotilho, constitucionalista português de notável saber, qualquer que seja a compreensão que se queira atribuir ao princípio democrático, parece inequívoco que, dentre outros, o exercício democrático do poder implica no livre exercício do direito de liberdade de expressão que é, ao lado de outros, constitutivo do próprio princípio democrático (Direito Constitucional, Coimbra, 1.991, p.435).

Vai daí que, no ensinamento de Hans Kelsen, na ideia de democracia encontram-se dois postulados considerados primordiais do ser social: a reação contra a coerção resultante do estado de sociedade e o protesto contra o tormento da heterotomia, ou seja a submissão de tício a terceiro (A democracia, Marins Fontes, 2.000, p.27 e seguintes).

Desde que concretizados os conselhos estaduais de real censura à mídia, que ir-se-ão multiplicar segundo as imposições do poder central, passar-se-à à regulamentação deles pelo Governo Federal, sob o pretexto de uniformiza-los.

É sem dúvida, a estratégia de se impor censura aos meios de comunicação e, em especial, à imprensa, ideia que fora enunciada pela Conferência Nacional de Comunicação em 2.009, por convocação do governo Lula.

A frágil democracia brasileira está sendo assaltada por grupos que, através da continuidade sustentada por medidas populares qualificadas pela demagogia, pretendem com a continuidade no exercício do poder e o esquecimento consentido pelo Ministério Público e pelo Judiciário das normas constitucionais fundamentais, a manipulação de claros princípios democráticos em favor do autoritarismo que se vai espalhando por toda a América Latina.

É preciso, pois, que a vigilância pela sociedade civil não se deixe esmorecer diante da euforia que o desenlace eleitoral possa ensejar a este ou àquele, mas continue mostrando que não se conforma com aventuras anti-democráticas.

* Artigo publicado originalmente no jornal Folha de São Paulo, edição do dia 30 de outubro de 2010.

2 comentários:

  1. Por que não aparecem lamentações contra a intolerãncia de Joe Serra quanto às perguntas dos jornalistas? Para entrevistar Serra somente é permitido aos jornalistas criar uma pergunta que agrade ao entrevistado, sob o risco de receber uma indignada resposta, ou indagação maliciosa.

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  2. Hélio Bicudo não se sente incomodado pelo clima guerra santa construído pelos signatários do PSDB, resgatando fantasmas do passado e estimulando o ódio político-religioso?

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