Depois de cerca de quinze anos, processo iniciado na Comissão Interamericana de Defesa dos Direitos Humanos(CIDH) que apontava a violação, pelo Brasil, de direitos inscritos na Convenção Americana de Direitos Humanos, firmada e ratificada em 1992 e 1998, teve como resultado a condenação do Estado brasileiro pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, da Organização dos Estados Americanos (OEA).
Trata-se do caso da guerrilha do Araguaia, em que o Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL) e ONGs nacionais pleiteavam a abertura dos arquivos oficiais relativos ao evento, a busca dos cadáveres das vítimas e seu reconhecimento, além da punição dos envolvidos em violências cometidas pelos agentes da ditadura contra guerrilheiros e camponeses.
Essa questão foi objeto de solicitações às autoridades brasileiras, mas tudo que se conseguiu foram respostas evasivas ou negativas em ações judiciais que buscavam a verdade dos fatos e a punição dos culpados.
Diante desse quadro, recorreu-se ao Sistema Interamericano de Defesa dos Direitos Humanos, o qual, pela CIDH, reconheceu a culpabilidade do Estado brasileiro, fazendo recomendações para o reestabelecimento da verdade e julgamento dos responsáveis. Diante do silêncio do Estado, a CIDH ingressou com ação competente, fundamentada nos termos da Convenção Americana que o Brasil, de boa-fé, firmou e ratificou, para demonstrar as violências praticadas, impondo-se a elas as penas estabelecidas no tratado internacional que, a propósito, pode ser considerado uma super-constituição, acima das leis magnas outorgadas pelos Estados membros.
Vejam bem, não foi nenhum particular que entrou com a ação, mas a principal entidade de Direitos Humanos do hemisfério.
Foi, aliás, nesse sentido, que o Chile, a Argentina e o Peru mudaram suas leis que conflitavam com as disposições da Convenção sobre o processo e punição dos responsáveis por violações dos Direitos Humanos de seus cidadãos.
O problema, no Brasil, encontra sua raiz numa interpretação oportunista da lei de anistia promulgada em 1979.
Falou-se num amplo acordo público para a elaboração e publicação dessa lei, quando, na verdade, ocorreu um conchavo entre civis e militares para alcançar uma finalidade repelida por qualquer lei de anistia. A auto-anistia (lei de duas mãos) pretendida, pura e simplesmente inexiste.
Aliás, basta ler os dizeres da própria lei, para chegar-se à conclusão de que a anistia de 1979 só alcança as vítimas da ditadura militar e não seus agentes.
De lembrar-se que editorial do “O Estado de São Paulo”, logo depois da edição da lei de anistia, advertia contra a interpretação que já se queria vencedora, de uma lei de “duas mãos”, a contemplar vítimas e algozes.
Essa interpretação, inspirada por juristas ligados à ditadura militar e depois aceita pela justiça brasileira inclinada a adotar o ponto de vista dos atuais detentores do poder, de que deveríamos parar de xingar os militares e tecer boas às vítimas das violências praticadas (prisões ilegais, tortura e homicídios), não se coaduna com o entendimento que lhe é superior, da Corte Interamericana.
Quem se dispuser a ler os votos dos ministros da nossa Suprema Corte concordantes com esse ponto de vista, terá a pior impressão de uma conclusão oportunista e política de um tribunal que se rebaixa à vontade do chefe do Poder Executivo e de seus auxiliares imediatos.
A Corte Interamericana condenou o Brasil. Trata-se de uma decisão superior e definitiva. Cabe ao Estado brasileiro cumpri-la abrindo seus arquivos, descobrindo as sepulturas e identificando as vítimas, pagando as indenizações impostas e alterando a interpretação da justiça brasileira, para permitir o processo e julgamento dos agentes da ditadura militar.
Disso não há como fugir.
É relevante que o Estado brasileiro reconheça a sua culpa, cumprindo nos seus mínimos detalhes a decisão da Corte. E com isso poderemos afirmar que vivemos em um Estado Democrático de Direito.
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